21 de agosto de 2010

Eu, Deus e a Solidão - Parte II

E ao virar a esquina viram a cara ao medo, fugindo à admissão do que deve ser mantido em segredo. E a recusa recicla, numa mentira que engolem, num comprimido as riscas para esquecerem enquanto dormem. E ninguém quer saber, ninguém tem de o fazer, podem passar pela montra, olhar muito e nada ver. E enquanto na cama sonham o que não mais vão lembrar, nem sonham o que o dia seguinte os faz esperar. Uma matilha de corredores ávidos por atingir algum sítio seguro, onde não os possam mais tocar, e assim isolam-se em caves e jaulas, e noutros sítios de encantar, reduzem-se a vermes e engolem as chaves das casas de paredes em ruínas, ficam presos em si, as suas vidas, ao seu corpo sem comer ou beber, com medo de sair, arriscar e morrer.

Deus, qual Deus? Onde está e quem é? Pago a quem me der o local onde posso encontrar esse Zé. Zé-ninguém, impotente, inconsciente e demente, que nos joga como marionetas numa roleta de vergonhas e consciências, que apenas nos acorda as dormências para fazer doer onde não existe, que nos leva a gritar, em prova que o espírito está perdido, mas o corpo ainda resiste. Deus? Qual Deus? Qual perdão? Qual misericórdia? Enquanto muitos morrem e matam-se pela discórdia que é Deus! Qual Deus? Qual bicho ou criatura, qual pedaço de madeira? Vela ou escultura? Pessoa nova ou velha? Homossexual ou racista? Lobo de raça mista? Deus? Qual deus? Quando o vir na rua vou matar esse filho de Puta!

Eu, Deus e a Solidão - Parte I

Solidão sentava-se na cadeira, muito hirta e séria, com as pautas na sua frente, todos os dias às 7. Abraçando o majestoso violoncelo, tocava ,durante o tempo necessário, a peça escolhida a ser tocada, até que cada nota saísse perfeita e executasse a dita do inicio ao fim sem falhas.
Geralmente terminava as 12, Eu varria o chão, sentavam-se à mesa e deus, sentado ao lado comia da tigela.

Ás 13, Eu sentava-se no sofá, de guitarra eléctrica a tocar durante tempos curtos e intercalados entre a televisão e o instrumento, Solidão lia um livro sentada no chão e Deus saía para comprar o jornal. Só, voltava por volta das 17 a cheirar a um perfume intenso e sem jornal na mão ou no bolso. Solidão beijava-lhe a testa, retirava-lhe e pendurava-lhe o casaco e preparava-lhe o banho. Voltava para o seu livro. Deus voltava, varria o chão e preparava o jantar.

Ás 20, em ponto, e sem ser tolerado qualquer atraso, Deus e Solidão estavam à mesa a comer e conversar, enquanto Eu, no chão sentado, comia da tigela.